segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Menestréis - 1 e 2




A Fuga

   Correu o máximo que podia, havia sido condenado à guilhotina, por um crime que não podia evitar, a arte. Estava suando frio, o coração a saltar do peito, sem fôlego, teve que parar, sabia que estava na praia, e precisava encontrar as docas. Foi seguindo o cheiro de madeira.

Quando um barco encontrar,
Poderei me salvar deste ínfimo infortúnio,
A rimas vulgares sujeito.
Quem já partiu foi embora,
Quem foi embora voltará.

   O Menestrel se frustrou por estar com tanto medo e não poder esculpir palavras melhores. Percebeu que estava dentro de um barco. Ele sabia que não havia ninguém ali, tirou um canivete do bolso e cortou as cordas que prendiam o barco à praia. Logo começou a ouvir tambores e gritos selvagens, mas ainda distantes. Tinha que fugir daquela ilha o mais rápido possível.

   O pequeno barco ia lentamente, as ondas estavam calmas para uma noite escura como aquela. O Menestrel tateou tudo o que havia ali, como facas, redes de pesca, papéis sobre uma mesinha, e um baú. Dentro do baú havia vários frascos pequenos, de uma bebida com cheiro de flores, mas o Menestrel ainda não sabia o que era aquela bebida, e não experimentou. Pegou um frasquinho e guardou no bolso. Ele sabia que não seria perseguido agora, estava no mar e não mais seria um infortúnio. Ouviu gritos na praia, lanças e pedras chegaram perto. A ilha ficava cada vez mais distante e ele desmaiou de cansaço.
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Uma personagem não é mencionada

   Com sua corja, o rei Baleth oprimia o povo com violência. Quando uma família sacrificava um carneiro, colhia trigo, ou usava o moinho, mais da metade do que era produzido devia ser entregue no Palácio do rei. O povo de Árane se sentia escravizado e estava cansado desses enormes tributos e serviços que eram obrigados a prestar.

   Árane era um país, mas era uma única e grande vila. Havia centenas de casinhas simples e pobres de madeira e barro, entre ruas de terra pisoteada. Chovia quase todas as noites, e os dias eram ensolarados. Só o Palácio era luxuoso, e todos eram proibidos de entrar lá sem autorização dos guardiões, que eram vigias e capangas do rei.

   Os áranes eram muito parecidos, pele queimada do sol, cabelos e olhos escuros, respeitosos e honestos, cada família preservava valores distintos. Trabalhavam muito, e por falta de tempo para ensinar os jovens, só os mais velhos ainda sabiam ler e escrever. Às vezes, todos se reuniam no Campo, que ficava no centro da vila, e lá era acesa uma grande fogueira, e os filhos dançavam enquanto os pais e avós cantavam sobre Outrora, uma época em que havia felicidade e vitalidade em Árane, e não amargura e cansaço.

   Calisto, um tecelão, era preocupado, talvez mais do que todos, com a situação humilhante em que se encontravam, subordinados a Baleth. Durante meses, Calisto estudou uma possibilidade de se reunir com o povo em segredo, e essa hora havia chegado, sendo que dia e noite, até nos encontros no Campo, eles eram vigiados pelos guardiões do rei.

   Todos foram cautelosamente avisados sobre a reunião, que aconteceria na madrugada em que vinte dos guardiões participariam de um jantar com o rei Baleth, e os outros quarenta provavelmente comeriam muito e cairiam no sono, como havia suposto Calisto, com base em suas observações.

   No horário combinado, todos foram em silêncio e no escuro para a casa de Calisto, e nenhum guardião percebeu as pessoas nas ruas, andando como em uma procissão. O povo, ao chegar, foi se acomodando como pôde, porque na casa de Calisto, mesmo com muito espaço, não havia muitos bancos e cadeiras, mais da metade das pessoas ficaram do lado de fora, mas de forma com que pudessem participar da reunião. Ficaram em casa as crianças e os muito jovens.

   - Agora podemos conversar e tentar encontrar uma solução para Árane. Nossa última tentativa de destruir Baleth, no ano passado, foi uma decepção, disse Calisto.

   O que foi essa decepção, em outra ocasião será contada.

   - Vocês sabem que ainda há uma esperança, e talvez seja impossível, mas é o que nos resta.

   Continuou Calisto, dizendo o que todos queriam ouvir.

   - Nós precisamos da ajuda de Tílitris!, Calisto estava em cima de uma mesa, e as mulheres se escondiam atrás de seus maridos, com os olhos arregalados. Todos sabiam o que aquilo significava.

   Tílitris era um país ao Leste, e em Outrora, mantinha boas relações com Árane, mas agora estavam isolados um do outro. Baleth entrou no poder de Árane e mudou rapidamente o sistema político, o transformando em um reino opressor. Em Tílitris, ainda haveria respeito e igualdade, e Feltris como soberano de uma nação que sempre foi culturalmente desenvolvida.

   Os áranes acreditavam que Feltris não recusaria um pedido de socorro, para tirar o Baleth do poder. À medida que Calisto falava, a esperança iluminava os olhares daquele povo.

   - Feltris já foi nosso amigo, se ele souber da situação em Árane, ficará do nosso lado, completou Calisto.

   Eritar, um ancião, se levantou para falar.

   - Não sabemos da situação de Tílitris nos dias de hoje, e eles não sabem que fomos escravizados por Baleth. Mas mesmo que possamos contar com o apoio de Tílitris, como poderemos nos comunicar com eles? É impossível passar pelo Portão de Evonuque, o Mandingueiro Búfalo.

   Após Eritar, todos começaram a falar ao mesmo tempo, mas todos a favor de mandarem alguém para Tílitris. Calisto chamou a atenção.

   - Alguém precisa tentar passar pelo Portão de Evonuque, é a única forma de se chegar a Tílitris, não há outro caminho. Difícil será encontrar alguém para ir até lá.

   Cinco homens, pais de família, se voluntariaram para ir. Calisto tomou a palavra novamente.

   - Todos nós agradecemos a coragem de vocês, mas temos que ser discretos, para que ninguém do Palácio perceba o que estamos planejando. O enviado a esta missão deve ser alguém que não faça falta, a pessoa mais insignificante aos olhos do rei.

   Liriar, filha de Eritar, disse:

   - Com todo o respeito, mas quem poderia ser essa pessoa invisível?

   Todos olharam uns para os outros, esperando que alguém se pronunciasse, mas os áranes eram muito orgulhosos, e, apesar das humilhações do dia-a-dia, tentavam manter sua dignidade. Ninguém queria ser considerado insignificante e sem importância.
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Daniela Ortega