segunda-feira, 5 de abril de 2010

Menestréis - 4 e 5



O Horizonte Desconhecido

   Ao nascer do sol, já estavam no topo da Serra do Rio Forquilha. O Rio Forquilha tinha esse nome porque dele se bifurcavam outros rios, menores e sem nome, chamados de forquilhas, pelos áranes. A Serra era a única paisagem no horizonte que se via de Árane, algumas pessoas trabalhavam por ali.

   Era a primeira vez que olhavam para um horizonte além de Árane, e lá pararam para descansar e comer. Do topo da Serra dava para ver onde o Rio se dividia primeiramente em dois, e ia para muito longe, talvez para o mar, ou talvez, de tanto se ramificarem, as forquilhas acabassem em alguma terra seca. Viram muitos campos e pequenos morros, árvores e arbustos, e um grande lago cinzento no pé da Serra, Bardax enxergava com dificuldade.

   Bardax se contentou em mastigar algumas ervas por perto. Olívia comeu uma banana que havia levado, e encontrou frutinhas rasteiras, que tinham ali, achou que eram muito doces. Depois, vestiu um par de meias secas, descansaram um pouco, e desceram a Serra, com cuidado para não escorregarem em lugares muito íngremes. As árvores tortas os protegiam do sol, formando labirintos, e Olívia caminhava à frente de Bardax.

   Terminaram a descida, e chegaram ao lago cinzento. Bardax chegou perto e cheirou, mas não havia água, e sim argila. Olívia não sabia o que era argila, e se maravilhou com a textura e o frescor daquele barro diferente. Passou a argila por todo o seu corpo e pelo pêlo de Bardax, para se protegerem dos mosquitos e do sol.

   Olívia subiu em Bardax e eles seguiram em trote por algumas horas, em um vasto campo florido. Tudo acontecera tão rápido que ela ainda não havia parado para pensar. E começou a sentir certo arrependimento por estar indo para, sabe-se lá onde, e pensou em voltar. Mas não poderia voltar para aquela Árane infeliz, a decepção seria muito grande, ela tinha que tentar fazer algo, por aquelas pessoas sofridas. Não poderiam sucumbir em nome do Palácio de Baleth. Sentiu medo, mas um pouco de vontade também.

   Caminharam o restante do dia à beira da forquilha do Rio, paravam às vezes para breves lanches. Quando passaram pelos Buritis dos Tamanduás, viram muitos tamanduás diferentes, e Bardax não teve medo daqueles estranhos animais, que os fitavam com estranhamento. Olívia os achou muito belos, mas preferiu não se aproximar. Bardax estava preocupado, pois havia muito brejo, e se atolasse, Olívia não conseguiria ajudar. Os buritis ficaram para trás, e os curiosos animais também, estava anoitecendo.

   Com a visão distorcida e suando frio, Olívia sussurou:

   - Bardax, o que é aquilo?

   Viu uma grande tenda de lona listrada de amarelo e azul no meio da mata, à frente deles. Olívia desmaiou, e caiu de Bardax. O veneno mortal estava se manifestando. Bardax se desesperou, estava sozinho.
~

Os Ciganos

   Olívia acordou, estava em uma rede dourada, embaixo de uma árvore cheia de flores amarelas, era uma manhã fresca. Olhou para os lados e viu a grande tenda listrada, agora percebera como era bonita, diferente de tudo o que já havia visto, tudo ali era diferente e encantador. Viu também uma fogueira rodeada de panelinhas de cobre, muito brilhantes, e sentiu um aroma delicioso de comida, um tempero diferente, percebeu que estava faminta.

   Da tenda, saíram crianças brincando e correndo, e uma cigana ruiva veio até Olívia, que ficou impressionada com as roupas da mulher, e de todos que saíram da tenda atrás dela. Usavam roupas muito coloridas, as mulheres com blusas azuis bordadas em ouro, vestidos de uma linda cor púrpura, saias marrons longas e rodadas, moedinhas douradas faziam um barulho suave e agradável quando andavam. Deram comida para Olívia e falaram com ela

   - Meu nome é Olívia Dríniel, venho de Árane, e vou para Tílitris...

   A cigana ruiva a olhou com indiferença e disse:

   - Não sabemos onde ficam esses lugares. Viajamos pelas florestas e não nos metemos nos assuntos de outros povos. Mas falamos a mesma língua, significa que nossos ancestrais são os mesmos, e já é um bom motivo para a ajudarmos no que precisar, prossiga sua jornada quando quiser!, a cigana falava em nome de todos, e eles pareciam ser muito simpáticos e felizes.

   As mulheres eram baixas, mas o homens eram muito altos, e todos tinham tranças nos longos cabelos negros. Só aquela cigana era ruiva.

   Um homem se aproximou, tinha um rosto muito diferente, parecia ser nativo dos povos das florestas antigas. Tinha pinturas nos braços e as tranças dos cabelos eram enfeitadas com miçangas douradas.

   - Meu nome é Táreni, e esta é Dúna, minha esposa.

   O homem falou, acenando para a mulher ruiva.

   - Estamos indo para a nossa Tenda Magnífica, ao Sul. Lá está o nosso povo. Todos somos artistas, cada um com uma arte diferente, com fogo, fitas, água, ilusões, malabarismos e brincadeiras, instrumentos, voz, e todas as outras coisas que inventamos, disse Táreni.

   Olívia sentiu admiração por aquelas pessoas. Perguntou onde estava Bardax, e um rapaz disse que ele estava dormindo. Um rapaz, com apelido de Bobo da Corte, explicou à Olívia o que havia acontecido. As frutinhas doces eram venenosas e ela teria morrido se não tivesse sido tratada por eles, já estavam com os ciganos há uma semana, e só agora ela acordara. Ela agradeceu, e caiu no sono novamente.

   Acordou com as lambidas de Bardax, e ficou muito feliz em vê-lo. Era noite, ela se levantou da rede, um pouco fraca, mas feliz por estar ali e admirada com a beleza da música que estava ouvindo. Os ciganos estavam cantando e dançando, tocavam tambores e instrumentos que eles inventavam, feitos de conchas, madeira, pedras, ossos, cabaças, cobre e ouro. Era um som magnífico, Olívia desejou aprender a tocá-los e ficar ali para sempre.

   Todos estavam em festa, e Dúna convidou Olívia para dentro da tenda. Lá, havia várias outras tendas menores, todas listradas, coloridas de azul e amarelo ou vermelho e verde. Elas entraram em uma das tendas e a cigana pediu que Olívia sentasse, e disse:

   - Você quer permanecer conosco, mas não é uma de nós, e deve cumprir sua missão, seja ela qual for. Se quiser, fique e a ensinaremos nossa música e arte, mas a aconselho a seguir sua jornada amanhã.

   Não entendia como, mas Olívia sabia que a mulher tinha razão, e que era sincera. A cigana usava as palavras “missão” e “jornada”, como se soubesse de tudo. Mas não se interessava pelo o que Olívia falava.

   - Não entendo. Como a senhora pode saber tudo isso, sem saber nada sobre mim¿

   A cigana mostrou uma bola transparente que estava em cima da mesa, e disse que aquele objeto mostrava o que ela deveria saber. Mas Olívia não viu nada além da transparência do material, que parecia água congelada, mas não era gelo. Elas conversaram mais um pouco e foram lá para fora se juntar à festa.

   As coisas que os ciganos faziam eram muito belas e interessantes, e sua comida era deliciosa. Isso encantava Olívia e Bardax. Mas tinham que partir.

   - Bardax, durma e coma bastante, porque amanhã antes do nascer do sol, temos que continuar com o pé na estrada.

   Não havia estrada alguma, viajaram até agora pelo mato. Olívia se despediu de todos ao final da festa, e ganhou alguns presentes, como um instrumento musical pequeno de madeira com uns furinhos, um vestido de cigana colorido de lilás e marrom, uma panelinha de bronze e uma mochila confortável, pois o saco que ela levara estava se desintegrando, ficou úmido por muito tempo, na tempestade, quando saíram de Árane. Bobo da Corte a explicou o caminho para a Tenda Magnífica, e Dúna frisou o convite.

   - Se algum dia quiser aprender nossa arte, vá para a Tenda Magnífica, e será bem recebida pelo nosso povo.

   No outro dia, Olívia acordou bem cedo e saiu com Bardax, enquanto todos dormiam. Uma anciã estava preparando chá à beira da fogueira, elas tomaram o chá, Olívia agradeceu e foi embora em seu cavalo, sumindo em uma neblina branca e fria.

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Daniela Ortega