domingo, 16 de novembro de 2014

Menestréis - 18 - Final



Gitanos e Menestréis


   Dois dias se passaram. Soldados do exército do Alquimista se aproximavam. A festa havia acabado e as pessoas se reconstruíam, com sua liberdade e oxigênio. Leviatã então os recebeu.

   - Viemos dizer que estamos com a terra de Árane. E que o Alquimista foi muito bem recebido nessas terras. Propomos um acordo de paz.

   - Olívia lacrimejou os olhos. Imaginou o pior. Mas, então, em minutos, enquanto olhava para o grande Leviatã, uma criatura mítica, inexistente no mundo dos áranes... conversando com um soldado. Compreendeu tudo. E tudo girava ao seu redor. Os sentimentos foram intensos. Ela escutava e mais e mais compreendia. Havia cumprido sua missão.

   Eis o que aconteceu. O Alquimista não era na verdade um alquimista. Tílitris era uma ilha de fantasia e magia, de artistas e liberdade. O alquimista era apenas um administrador da ordem, que nada sabia de alquimia. Para os tílitris, era um ditador. Em Árane, tomou o castelo. E despejou Baleth de lá. 

   Impôs sua administração, que envolvia tratados e leis, reuniões burocráticas, econômicas. Era disso que os áranes precisavam. E o alquimista, assim que soube da situação em Árane, já logo pensou nesse plano. Com a invasão de Leviatã, fugiu rumo a um novo começo.

   Diante de todas essas notícias, Olívia duvidava se realmente isso era verdade. Foi quando viu Calisto.

   - Calisto! Calisto! Correu em direção a ele, e todos olharam a cena.

   Calisto a abraçou. E confirmou tudo aquilo. Tinha um semblante feliz, e vestia uma insígnia de Árane, há muito tempo esquecida. Conversou com ele e perguntou de tudo e de todos. Sua família estava muito bem. Mas de alguma forma, Olívia não sentia saudades. E não estava com vontade de viver o estilo alquimista de governar árane, por mais que as pessoas estivessem mais felizes do que nunca.

   Ao anoitecer, naquele dia, Olívia andou pelas ruas de Tílitris, enfeitadas com fitas, cheias de caixas com algas coloridas e maravilhosas para se comer nas ruas. Ela então não pertencia a nenhum lugar. A única coisa que queria era Bardax. Se lembrou de Feltris, da Raposa Velha. E sentia como se os animais fossem a sua família. Que ela perdera. Foi falar com o menestrel.

   - Menestrel! Ele se virou, e usava vendas douradas sobre os olhos.

   - O que estás a cantar, cara Olívia?

   - Menestrel, por que você está fazendo essas malas? Vai embora? Me deixa te seguir.

   Mas é claro que você virá. Pensa que todos terão um final feliz menos você? Vou para o meu povo. Eu pertenço a algum lugar. E você a um ser muito especial. O menestrel tirou então o seu chapéu de palhaço, que usava sempre. E seus cabelos avermelhados caíram sobre seus ombros.

   Ele se parecia agora muito com os gitanos. Que levaram Bardax. – Você é um dos gitanos, Menestrel? E mais uma vez, Olívia teve uma confusão de esclarecimentos em sua cabeça, se é que isso é possível. Ele era um artista, era um gitano.

   - Bardax está a sua espera com os menestréis, Olívia. No outro dia, eles seguiram rumo ao Sul, em um barco dourado, com as insígnias de Leviatã. A ilha de Tílitris ficava mais bonita quanto mais distante sumia no horizonte. Suas luzes eram como o reflexo do sol em um dia de chuva, e causavam uma alegria calorosa.

Fim.

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Daniela Ortega



Menestréis - 17



O Brilho de Volta a Tílitris 

   Leviatã reuniu todos os povos e forças dos mares e oceanos. Era preciso lavar aquela grande ilha. Olívia e o Menestrel ficavam impressionados com a rapidez e o poder de Leviatã, soberano dos povos das águas. Um peixe gigante ajudou a recrutar e coordenou as operações que se seguiam, seu nome era Ceritã, e o Menestrel ouvira muitas de suas histórias, em que vários piratas tentavam o capturar, mas nunca conseguiam.

   Tudo aconteceu muito rápido, e em dois dias Leviatã havia reunido o grande exército das águas salgadas. Estavam prontos, cercando a ilha de Tílitris, agitados. Carangueijos tocavam músicas de guerra e todos estavam agressivos. Os siris tocaram os corais e as conchas, sinalizando o início da guerra.

   Ondas gigantes vinham muito rápido em direção à ilha, que estaria submersa em poucos minutos. Algo estava errado naquilo tudo para Olívia. Por que só agora? E como o menestrel teria convencido Leviatã a entrar nessa causa?

   O Alquimista logo então reuniu seu exército. Peixes que trabalharam como informantes disseram que os líderes eram uma jovem de Árane, e o menestrel, um fugitivo. O Alquimista então deu uma nova ordem ao seu exército. Rumariam para Árane.

   As águas de cristais subiram sobre Tílitris, e caíram como chuva. O mal foi lavado em instantes. Tudo aconteceu muito rápido, que não posso narrar à mesma velocidade. Após essa explosão de cristais sobre a cidade, os moradores saíram de seus covis, e saudaram o menestrel. O exército e o Alquimista não estavam ali. Certamente fugiram. Leviatã tomou a administração imediata da ilha. E todos tinham o direito de serem ouvidos agora e dizer o que quisessem.

   Olívia procurou o menestrel naquela grande festa. Ele estava acompanhando Leviatã, em um jogo de palavras e músicas com vários artistas. Para chegar até ele, Olívia teria que atravessar uma enorme avenida, foi caminhando com dificuldade. Esse era o momento de mencionar sobre Árane. Ela subiu no obelisco, e pediu atenção. Estava com as roupas esfarrapadas, e o menestrel silenciou a multidão para ela.

   - Vim de Árane para pedir ajuda. Nossa terra sobre com um ditador como vocês sofriam. Peço, por favor, ajuda.

   Leviatã se levantou de um banco dourado feito de conchas, que parecia uma montanha de jóias. – Olívia, as criaturas do mar não podem chegar à Árane. Você, caso queira, pode trazer os áranes para cá. A ilha é nossa, e de vocês. Mas nós nunca poderemos adentrar o Continente.


   Olívia continuou a falar, a implorar, mas a multidão também falava ao mesmo tempo, em opiniões contraditórias. E ninguém a compreendia.

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Daniela Ortega

Menestréis - 16



O Senhor dos Mares

   Quando acordaram, era dia. O Menestrel dançou de alegria com a beleza do lugar, pulando e cantando com galhos e folhas. E Olívia, preocupada com assuntos mais sérios, disse:

   - Mestre, o que faremos?

- Procuraremos Leviatã. Disse o Menestrel, parando de brincar.

Olívia não sabia como eles encontrariam Leviatã. E o Menestrel, despreocupado, chegou perto do Mar dos Espelhos. Olívia ficou longe, pois, Evonuque a avisou que sem a poção cintilante dele, ela não sairia do Continente.

- Mestre Menestrel, eu preciso da poção cintilante de Evonuque, o Mandingueiro Búfalo, para sair do Continente.

- Poção cintilante? Ah, sim! Havia me esquecido, não olhe para as águas do Mar dos Espelhos, Olívia! Quando as pessoas olham para a água, vêem espelhos que mostram as lembranças esquecidas, e depois o mar as leva para o oceano, é sempre assim. Muito perigoso para você! Disse o Menestrel.

- Então por isso preciso da poção cintilante, para que nada de ruim me aconteça, disse Olívia.

O Menestrel então se lembrou do pequeno frasco de bebida com cheiro de flores, que encontrou no barco no dia de sua fuga. Era a tal poção cintilante! Os pescadores de tílitris a usavam para navegar.

- Tenho a poção cintilante em meu bolso, aqui está, Olívia, beba! Disse o Menestrel, explicando como havia adquirido o frasco.

Olívia bebeu e eles entraram no Mar dos Espelhos. Era preciso, para que pudessem entrar em contato com Leviatã. O Menestrel, então, recitou:

Senhor dos Mares,
É chegada a hora!
Feltris, soberano de Tílitris,
Em seu último suspiro,
Se lembrou do poderoso Leviatã!

As ondas então começaram a ficar mais altas e uma enorme figura emergiu das águas, Leviatã:

- Feltris, a estrela que brilha acima dos Mares, pede ajuda. Disse Leviatã, com sua voz grandiosa.
O Menestrel e disse com empolgação:

- Nos ajude limpar a ilha de Tílitris da sujeira de um ditador, o Alquimista!

A insígnia no peito do Menestrel ficou dourada e brilhante, e Leviatã fez reverência ao pequeno tílitris.

- Venham comigo, e permitirei que Feltris brilhe também em Tílitris, novamente, através de sua insígnia!

Olívia não sabia as histórias que o Menestrel havia ouvido de Feltris, mas com certeza eram reais e majestosas. Leviatã os carregou para o oceano.

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Daniela Ortega


Menestréis - 14 e 15



A Pantera Negra


   O ar ficava mais fácil de respirar, e mais quente. Olívia olhou para cima, e viu o céu, muito distante. A caverna havia acabado e eles estavam em um buraco muito fundo, cercados de pedras por todos os lados. Ouviram uma respiração estranha, havia algo ali, que aterrorizava Olívia.

   - Feltris, meu soberano, está aqui, em algum lugar? Gritou o Menestrel.

   Ouviram o som de correntes, e Olívia se afastou, assustada, ao ver uma grande pantera negra, acorrentada, tentando se levantar.

   - Menestrel, um monstro, corra! Falou Olívia, em desespero.

   A pantera os fitou com seus grandes e brilhantes olhos amarelos, dizendo com uma voz fraca e confortante:

   - Menestrel, caro tílitris, é mesmo você?

   O Menestrel ao ouvir a voz do seu soberano, caiu em lágrimas de alegria:

   - Meu senhor, Feltris!

   E correu ao encontro de Feltris, o abraçando. Olívia não conseguia entender... Feltris era uma pantera, um animal... falante. Como as raposas e o Leão da Montanha. Se impressionou com aquilo, e ao mesmo tempo teve dó de Feltris, preso como uma fera maligna, o que não era.

   - Viemos te buscar, meu soberano! Para que o senhor possa salvar Tílitris! Disse o Menestrel , em súplica.

   Feltris estava muito machucado, extremamente magro. Bebia a água da chuva que escorria das paredes, e comia pequenos animais de má sorte, que caiam naquele buraco fundo. Disse para seus bravos guerreiros:

   - Darei minha insígnia a você, Menestrel, pois, estou condenado a estas correntes, que são inquebráveis.

   - Não! Não permitirei que meu senhor desista! Disse o Menestrel.

   Olívia explicou quem era e porque estava ali, tentando encontrar no local alguma ferramenta que pudesse quebrar as correntes. Mas as correntes eram, de fato, inquebráveis. E o Menestrel percebeu que nada iria adiantar, aceitando o destino de seu senhor.

   - Quando eu lhe der minha insígnia, tílitris, você será a esperança de nosso país. E isso lhe concederá toda o meu respeito perante nossos irmãos.

   - Meu senhor, mas como poderei, sozinho...

   E Feltris interrompeu o Menestrel:

   - Quando a hora chegar, diga ao senhor dos mares, que Feltris em seus últimos suspiro, se lembrou dele, o poderoso Leviatã.

   Olívia não sabia quem era Leviatã, mas sentiu que Feltris, de alguma forma, estava morrendo. O Menestrel passou a mão sobre a pelagem negra e Feltris permitiu que ele encontrasse a insígnia. A luz amarela dos olhos de Feltris ficou dourada, e o Menestrel retirou completamente a insígnia, a fixando em seu peito. Feltris, de repente, se tornou belo como sua voz, e desapareceu.

   - Ele virou uma estrela no céu. Disse o Menestrel, em voz baixa.

   Olívia se sentia impressionada com o que havia acontecido, mas não estava mais assustada, e um sentimento de coragem tomou seu coração.

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Deixando o Continente 

             Tiveram que pular nas águas lá embaixo. A corda não estava mais ali e por sorte não bateram em nenhuma das pedras. Olívia não conseguiu sair da correnteza e foi parar longe da cachoeira. Sua mochila se abriu com os bolinhos e ela perdeu muitas coisas.
 - Ainda bem que nossa missão está chegando ao fim, Mestre.
- Se engana, Olívia. Ainda nem começamos. Disse o Menestrel, preocupado.
Saíram dali, rumo ao litoral. Era noite, mas não sentiam vontade de descansar. Olívia perguntou:
- Quem é Leviatã? Como ele pode nos ajudar?
- Leviatã vive nos mares, mas não o conheço. Feltris sempre contou histórias sobre o grande poder desse senhor.
Se fosse antes, Olívia não acreditaria que Leviatã pudesse existir, nem que animais pudessem falar. Mas ela havia mudado, assim como sua percepção.
Era manhã, eles colocaram vestes limpas e se alimentaram de frutas cítricas.
- Se Bardax estivesse aqui, já estaríamos na praia. Disse Olívia.
- Bardax, então, é seu companheiro! Disse o Menestrel.
- Sim, é um cavalo muito companheiro, respondeu.
Olívia contou sobre sua rotina em Árane, mas o Menestrel não achou interessante. E de fato, não era.
- Mestre, peço desculpas por ter me assustado com a aparência de Feltris, disse Olívia.
E o Menestrel, disse, com um sorriso:
Nem tudo o que é parece
Nem sempre o certo é melhor
Mas sempre o Bem prevalece

         Era tarde quando chegaram à praia, estava chuviscando. Eles dormiram na areia seca, embaixo de alguns coqueiros. As docas ficavam ali perto, mas não precisariam chegar até lá.

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Daniela Ortega


Menestréis - 13



Ao Confim

   De manhã, as raposas estavam prontas para a despedida. Havia suco e bolinhos de erva e insetos para o desjejum. Olívia não teve receio de comer bolinho de insetos, era uma delícia, as raposas pareciam comer somente aquilo e as ervas tinham um aroma que despertava o apetite. Comeram e se despediram das raposas. A Raposa Velha os abraçou e desejou boa sorte, a mochila de Olívia estava cheia de bolinhos para a viagem. O Menestrel cantava adeus enquanto as raposas acompanhavam a canção uivando, até que sua voz virou um sussurro distante:

Vou-me embora desta terra.
É mentira eu não vou não,
Quem vai é só o corpo,
Fica aqui meu coração.

   Olívia perguntou ao Menestrel como ele conseguia se desviar de obstáculos e perceber as coisas tão bem sem enxergá-las. E ele respondeu:

   - Eu enxergo com os olhos da minha percepção. O mundo gira mais rápido que a percepção das pessoas, porque deixam se enganar pelo mecanismo dos olhos. 

   Olívia nunca se esqueceu daquilo, e admirou-o a partir daquele momento, o tomando como Mestre.

   - Mestre Menestrel, precisamos de uma nova visão do mundo, para ser compartilhada com as pessoas que nos esperam. Disse Olívia.

   A caminhada ganhava um ritmo. Eram guerreiros indo para a batalha. Rapidamente chegaram ao Mirante dos Dragões. Olívia sorria e gritava, a cachoeira a deixava feliz, era muito bonita, com uma enorme cascata de espumas brancas e véus em vapor de arco-íris que flutuavam no local.

   - Usaremos o truque do cipó, disse o Menestrel.

   E ela pegou uma corda em sua mochila, a amarrando na árvore mais próxima do precipício. Eles se amarraram e foram descendo ao lado da cascata. O som era muito alto, e mesmo que gritassem não conseguiriam ouvir suas vozes. Olívia olhou as pedras lá embaixo e ficou tonta, era muito bonito, ensurdecedor e frio, apesar do forte brilho do Sol. O Menestrel começou a balançar para frente, e eles pularam para dentro da cachoeira.

   O Menestrel estava com a pele dos braços e pernas esfolados, e Olívia sentia o rosto arder e sangrar. Era muito escuro, mas conseguiam avistar do lado oposto à cascata um túnel que descia e parecia não ter fim.

   Caminharam durante muitas horas no escuro, e já estavam secos quando pararam para comer alguns bolinhos. Sentiam medo em silêncio, atentos a qualquer ruído. Após mais horas de caminhada, e muito cansados, sentiram necessidade de dormir, não tinham noção de tempo naquele lugar. Parecia que estavam ali há anos, embora estivessem ali há um dia.

   O Menestrel começou a farejar e tatear as paredes de pedra do túnel, dizendo:

   - O que vê adiante, Olívia? O que é?

   - Nada, Mestre, não consigo enxergar, como você. Disse Olívia, que tocou o rosto para ter certeza de que seus olhos estavam abertos, pois, só via escuridão.

   Caminharam mais um pouco, e Olívia começava a perceber um feixe de luz muito apagada:

   - Sim, estou vendo uma luz, alguma coisa... E começaram a correr com a respiração ofegante.


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Daniela Ortega

Menestréis - 12



Conselhos e Truques 

   Em poucas horas o sol iria embora, e Olívia teve medo de uivos que estavam cada vez mais próximos. Mas não pareciam uivos de lobo, eram suaves. Olívia parou para ouvir passos se aproximando.

   - Uma mulher! Está perdida? Disse a Raposinha.

   Olívia não duvidaria de mais nada, agora encontrara uma raposa falante, uma raposinha jovem de pelo vermelho, o único animal que não era azul naquela paisagem.

   - Sou Olívia Dríniel, de Árane. Estou tentando encontrar o caminho para Tílitris.

   - Venha comigo, posso ajudar, disse a Raposinha.

   E a Raposinha levou Olívia até a Raposa Velha, que disse:

   - Então uma árane quer ir a Tílitris. E um tílitris quer salvar o seu soberano. Por que vocês insistem em achar que a única passagem pelas montanhas é o Portão do Mandingueiro Búfalo¿ É preciso esperteza, é possível passar por muitos outros lugares, inclusive seguindo o curso das Forquilhas.
Estavam todos ali, o Menestrel estava curioso, não conhecia nenhum árane, mas sabia como os áranes eram importantes para Tílitris no passado, e em como a separação desses países havia sido a ruína de seu povo. E declamou baixinho:
Por lá, quem não sabia entendia,
Aprendiz opinava.
Esse mundo vive cheio
De falsa filosofia,
Quem não presta finge ser bom,
Quem é bom não tem valia.

   Olívia estava maravilhada com a beleza da pelagem das raposas, todas vermelhas, mas a Raposa Velha era ainda mais bela, pois havia pelos dourados em suas orelhas, patas e rabo. Era um belo contraste com o azul e a terra brilhava como nunca.

   A Raposa Velha pensou por alguns minutos, e ouviu Olívia, que explicou os motivos pelos quais estava indo para Tílitris. E Olívia disse:

   - A senhora disse que o tílitris quer salvar seu soberano... o que aconteceu com Feltris. E foi o momento de o Menestrel explicar os motivos pelos quais ele estava ali. Ambos os países vinham sofrendo nas mãos de opressores.

   A Raposa Velha os aconselhou a seguirem juntos para o Mirante dos Dragões em busca de Feltris, e o Menestrel disse que após conseguirem derrotar o Alquimista, ele ajudaria Árane. Olívia concordou, e temeu os conflitos que os aguardavam.

   - Vou ensinar alguns truques de esperteza, para ajudá-los em sua jornada. Disse a Raposa Velha, que os explicou como encontrarem saídas para situações de risco.

   À noite, as raposas acenderam uma grande fogueira, iluminando a floresta, que ficava multicor com tanto brilho. As raposas uivavam e cantavam, e o Menestrel tocava batuques e sua gaita, declamava repentes, sempre pulando e dançando, alegre.

Essa vida fica boa
Quando alguém sabe cantar
Mas fica melhor ainda
Quando alguém sabe escutar!

O Menestrel sabia como liderar uma festa. Olívia se sentiu feliz como quando estava com os Ciganos, o cego Menestrel se parecia muito com eles, até nas roupas coloridas que usava.

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Daniela Ortega

Menestréis - 10 e 11



Túnel de Raízes 

   Olívia não conseguiu dormir por vários motivos. Estava sozinha, não sabia como chegar a Tílitris, e estava preocupada com o que Evonuque havia dito sobre a poção cintilante que ela precisaria beber para sair do continente. Ainda era madrugada e ela decidiu continuar a caminhar, mas tudo estava tão escuro, que quando Olívia percebeu que estava afundando rapidamente na areia, já era tarde.

   Não conseguia respirar e seus olhos ardiam, sua cabeça havia afundado completamente na areia seca, quando Olívia sentiu algo puxar suas pernas com voracidade. Caiu dentro de uma bolha de ar, sobre um lago de lama, em um lugar estranho e sujo. Olívia esfregou os olhos, que ardiam mais ainda, mas aos poucos conseguiu enxergar à frente um túnel comprido, de raízes de árvores velhas, e minhocas que saltavam para fora da lama em movimentos sincronizados, parecia uma dança.

   Dentro da bolha, Olívia sentiu que o ar estava rarefeito e que precisava ir em direção ao túnel, para tentar voltar para a superfície. Então ela se levantou e começou a andar para frente, fazendo a bolha de ar se mover, com cuidado para que não estourasse. E finalmente Olívia estava no túnel, maravilhada com a beleza das raízes gigantes e antigas que a cercavam. Mas a bolha insistia em descer e ela prendeu a respiração e espetou a bolha com a faca em sua mochila, subindo rapidamente pelas raízes, suas mãos e seus joelhos sangravam, mas ela continuou até que o túnel ficou muito escuro e ela percebeu que estava dentro do tronco de uma árvore seca. Deu pontapés e socos na árvore e a madeira rachou, fazendo com que ela escorregasse para fora com muita lama. Respirou fundo e tossiu, estava na superfície.

   As roupas estavam secando em galhos de árvores e Olívia brincava com a água brilhante do riacho, estava encantada com aquele lugar, era uma manhã de sol e estava calor. Olívia se secou, guardou o pedaço de sabão na mochila, vestiu uma das blusas de tecido marrom e rústico e meias  secas, esperando sua calça secar com o sol, o que não demorou para acontecer. Ela pensava em Bardax, se havia alcançado os ciganos e chegado à Tenda Magnífica.

   Ao caminhar por aquela floresta azul, Olívia sentia como se estivesse em outro mundo, as plantas eram de todas as tonalidades de azul, a grama era azul esverdeada, as folhas das árvores eram azul cerúleo e seus troncos azul da Prússia, os pássaros eram azul Persa bem intenso, outros pequenos animais eram a maioria azul Royal e a terra azul cobalto muito brilhante, como se fosse cristais e diamantes azuis sedimentados.

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A Raposa Velha 

   O Menestrel ouviu passos e se levantou, parando de cantar, era uma tarde de calor, e os raios de sol atravessavam as folhas das árvores. Uma voz feminina e forte soou:

   - Quem és, caro cantor? O que procuras na Floresta Azul? E o que poderia ser, além de sabedoria.

   - Procuro a Raposa Velha. Disse o Menestrel, com a voz fraca de tão grande a fome que sentia.

   - A Raposa Velha é minha mãe, e mãe de todas as raposas daqui, é a mais esperta deste mundo. Queres ensinamentos de esperteza? Respondeu a Raposinha.

   - Não sei ao certo... talvez. Leve-me até ela, por favor. O Menestrel desmaiou de fome, e a Raposinha o fez beber um pouco de água e lhe deu bolinhas de ervas e insetos amassados para ele comer. Ele se sentiu melhor e ela o levou até o bando de raposas.

   A Raposa Velha estava esperando pela Raposinha, que havia saído há poucos minutos para buscar um caminhante. E logo os avistou descendo a escadaria de raízes.

   - Que seja bem recebido em nossa casa, a Floresta Azul. Me procuras? A Raposa Velha tinha uma voz muito forte e bela.

   O Menestrel virou-se para a direção daquela voz e disse, agitado e alegre:

   - Sou um fugitivo de Tílitris, Raposa Velha, e há dias a procuro neste continente.

   O Menestrel ouviu vários passos e percebeu que ali deveriam estar muitas raposas.

   - Se és um fugitivo, suponho o que queres aqui, mas diga com suas palavras. Disse a Raposa, com uma voz amigável.

   - Preciso encontrar o soberano de meu país, Feltris. E havia rumores sobre ele, em que seu nome era citado. É tudo o que sei, espero que a senhora possa me ajudar.

   - Era o que eu imaginava. Feltris está abaixo de nós, nos confins do submundo. Lembro que vi um Alquimista e um exército, com seu soberano acorrentado, estavam indo para o Mirante dos Dragões. Eles perceberam que eu os observava, mas consegui fugir. A Floresta Azul me protege, e daqui não me aventuro a sair mais, disse a Raposa Velha.

   As raposas começaram a uivar, concordando com o que a Raposa Velha havia dito. Eram uivos fortes e agradáveis. Quando o Menestrel começou a falar, todos ficaram em silêncio.

   - Então, Feltris está morto?, disse, caindo de joelhos ao chão, lágrimas escorriam por seu rosto.

   - Não, tilitris tolo! Levante-se! Feltris foi levado para o submundo, e sua entrada fica em algum lugar perto do Mirante dos Dragões. Será preciso esperteza para encontrar a entrada. Disse a Raposa Velha, andando de um lado para o outro.

   O Menestrel teve mil pensamentos e idéias em segundos. E eufórico, disse:

   - Então realmente há uma passagem por dentro da cachoeira que fica abaixo do Mirante! Deve ser lá! Preciso ir o quanto antes...

   Dando pulinhos de alegria, o Menestrel perguntou o que a Raposa Velha achava daquilo. E ela o achou muito esperto por levantar aquela hipótese.

   - Fique mais um dia aqui, e darei bons conselhos e truques a você, disse a Raposa Velha.

   - Sendo assim eu digo sim! O Menestrel estava radiante e as raposas uivavam alegres.

   A Raposinha começou a farejar algo estranho, e alertou a todos de que outro caminhante estava perto.

   - Vá, Raposinha, mas tenha cuidado desta vez! , gritou a Raposa Velha.


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Daniela Ortega